Prensa
Kirchner diz uma coisa e faz outra
Fuente: O Estado de Sao Paulo (Brasil)
Presidente argentino deixa direita e esquerda desorientadas, com políticas para todos os gostos
Ariel Palacios
“Dê o pisca-pisca para a esquerda, mas sempre vire à direita!” O conselho não se refere a uma forma peculiar de dirigir. Essa era a receita de governar do ex-presidente Juan Domingo Perón. Dar sinais de que o governo está tomando medidas de esquerda, mas aplicar, na prática, uma política de direita. Fiel ao axioma do fundador de seu partido, falecido em 1974, o presidente Néstor Kirchner, desde que tomou posse, em maio de 2003, aplicou um discurso populista duplo, que oscila entre atitudes de centro-esquerda com uma dose de autoritarismo, a posições mais neoliberais do que as praticadas por seu antigo arquiinimigo, o ex-presidente Carlos Menem (1989-99).
Kirchner, em sua tribuna no Salão Branco da Casa Rosada, pode tanto desferir duras críticas aos credores internacionais (e aplicar-lhes uma dura reestruturação de bônus da dívida), como anunciar que paga a dívida com o FMI, de US$ 9,6 bilhões, até o último vintém.
Essa ambigüidade é para manter a popularidade - analistas indicam que grande parte do eleitorado argentino aprecia um discurso “duro” contra as empresas e desfruta de discursos de tom anti-EUA - e, assim, ambicionar a reeleição no ano que vem.
Kirchner é capaz de tomar medidas consideradas antiquadas por grande parte dos economistas, como congelar os preços para conter a inflação. Em dezembro passado, arrancou dos supermercados um acordo de “estabilização” de preços por um ano.
De lá para cá, ampliou o congelamento a vários setores. Na última semana, obteve dos empresários o compromisso de manter o congelamento até dezembro de 2007, depois das eleições presidenciais.
Aos que tentam romper com o congelamento, Kirchner incentiva boicotes, como fez contra a Shell. Chegou a estimular, ainda que indiretamente, a mobilização de piqueteiros nos postos da companhia.
Ao mesmo tempo em que aplica uma política de terror aos empresários, Kirchner é capaz de praticar a receita neoliberal do FMI de superávits fiscais de quase 4% do PIB. Nos últimos três anos, a Argentina desfrutou de um superávit jamais visto, nem mesmo nos tempos do neoliberal Menem.
Menem, também seguindo a política de ambigüidade peronista, tinha um discurso para os mercados internacionais, mas distribuía fundos para as falidas províncias do interior, de forma a garantir base eleitoral.
Tanto a esquerda quanto a direita estão desorientadas com as atitudes de Kirchner. Uns o consideram um liberal disfarçado de progressista, outros o encaram como um nacionalista que defende os interesses do país. Uma terceira ala o suporta: considera que existem males piores. Sem poder criticar o superávit fiscal exuberante ou o crescimento anual de 9%, em média, os direitistas da oposição atacam seus modos de “patota” (gangue).
O historiador econômico Ricardo López Göttig, pesquisador do Centro de Abertura e Desenvolvimento da América Latina (Cadal), sustenta que, por um lado, Kirchner prega que os empresários argentinos acreditem no país, mas, por outro, ele próprio não traz para a Argentina os mais de US$ 600 milhões de fundos que colocou no exterior quando era governador da província de Santa Cruz.
“Se o próprio presidente não traz esses fundos, é sinal de que considera que existe insegurança jurídica na Argentina que ele governa”, afirma. Segundo o analista Néstor Scibona, “a opinião pública vê em Kirchner esse político que diz as coisas que ela quer escutar, ainda que não sejam necessariamente reais”.
No campo externo, Kirchner sorri nas fotos ao lado do presidente venezuelano Hugo Chávez, que virou seu salva-vidas financeiro (comprou mais de US$ 2,8 bilhões de bônus Boden 2012) e energético (atende rapidamente a pedidos urgentes de diesel, quando há escassez na Argentina). Entretanto, não compartilha com as críticas de Chávez contra o americano George W. Bush, com quem mantém uma política de amizade discreta.
Fuente: Estado de Sao Paulo, domingo 29 de octubre de 2006.
O Estado de Sao Paulo (Brasil)
Presidente argentino deixa direita e esquerda desorientadas, com políticas para todos os gostos
Ariel Palacios
“Dê o pisca-pisca para a esquerda, mas sempre vire à direita!” O conselho não se refere a uma forma peculiar de dirigir. Essa era a receita de governar do ex-presidente Juan Domingo Perón. Dar sinais de que o governo está tomando medidas de esquerda, mas aplicar, na prática, uma política de direita. Fiel ao axioma do fundador de seu partido, falecido em 1974, o presidente Néstor Kirchner, desde que tomou posse, em maio de 2003, aplicou um discurso populista duplo, que oscila entre atitudes de centro-esquerda com uma dose de autoritarismo, a posições mais neoliberais do que as praticadas por seu antigo arquiinimigo, o ex-presidente Carlos Menem (1989-99).
Kirchner, em sua tribuna no Salão Branco da Casa Rosada, pode tanto desferir duras críticas aos credores internacionais (e aplicar-lhes uma dura reestruturação de bônus da dívida), como anunciar que paga a dívida com o FMI, de US$ 9,6 bilhões, até o último vintém.
Essa ambigüidade é para manter a popularidade - analistas indicam que grande parte do eleitorado argentino aprecia um discurso “duro” contra as empresas e desfruta de discursos de tom anti-EUA - e, assim, ambicionar a reeleição no ano que vem.
Kirchner é capaz de tomar medidas consideradas antiquadas por grande parte dos economistas, como congelar os preços para conter a inflação. Em dezembro passado, arrancou dos supermercados um acordo de “estabilização” de preços por um ano.
De lá para cá, ampliou o congelamento a vários setores. Na última semana, obteve dos empresários o compromisso de manter o congelamento até dezembro de 2007, depois das eleições presidenciais.
Aos que tentam romper com o congelamento, Kirchner incentiva boicotes, como fez contra a Shell. Chegou a estimular, ainda que indiretamente, a mobilização de piqueteiros nos postos da companhia.
Ao mesmo tempo em que aplica uma política de terror aos empresários, Kirchner é capaz de praticar a receita neoliberal do FMI de superávits fiscais de quase 4% do PIB. Nos últimos três anos, a Argentina desfrutou de um superávit jamais visto, nem mesmo nos tempos do neoliberal Menem.
Menem, também seguindo a política de ambigüidade peronista, tinha um discurso para os mercados internacionais, mas distribuía fundos para as falidas províncias do interior, de forma a garantir base eleitoral.
Tanto a esquerda quanto a direita estão desorientadas com as atitudes de Kirchner. Uns o consideram um liberal disfarçado de progressista, outros o encaram como um nacionalista que defende os interesses do país. Uma terceira ala o suporta: considera que existem males piores. Sem poder criticar o superávit fiscal exuberante ou o crescimento anual de 9%, em média, os direitistas da oposição atacam seus modos de “patota” (gangue).
O historiador econômico Ricardo López Göttig, pesquisador do Centro de Abertura e Desenvolvimento da América Latina (Cadal), sustenta que, por um lado, Kirchner prega que os empresários argentinos acreditem no país, mas, por outro, ele próprio não traz para a Argentina os mais de US$ 600 milhões de fundos que colocou no exterior quando era governador da província de Santa Cruz.
“Se o próprio presidente não traz esses fundos, é sinal de que considera que existe insegurança jurídica na Argentina que ele governa”, afirma. Segundo o analista Néstor Scibona, “a opinião pública vê em Kirchner esse político que diz as coisas que ela quer escutar, ainda que não sejam necessariamente reais”.
No campo externo, Kirchner sorri nas fotos ao lado do presidente venezuelano Hugo Chávez, que virou seu salva-vidas financeiro (comprou mais de US$ 2,8 bilhões de bônus Boden 2012) e energético (atende rapidamente a pedidos urgentes de diesel, quando há escassez na Argentina). Entretanto, não compartilha com as críticas de Chávez contra o americano George W. Bush, com quem mantém uma política de amizade discreta.
Fuente: Estado de Sao Paulo, domingo 29 de octubre de 2006.